Jornal GGN – A relação entre a Rede Globo e o escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, criadora de offshores para lavagem de dinheiro, foi exposta por reportagens no início do ano, com a revelação da documentação do triplex da família Marinho, em ilha de Paraty. Afora a coincidência de carregar mesmo sobrenome, o ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo, Robson Marinho, acusado de receber propina em esquema de corrupção da Alstom em governos tucanos, teria usado o suborno para investir em uma ilha em Paraty. A Panamá Papers deve esclarecer até que ponto essas histórias são obras do acaso, ou se complementam.
Investigado até hoje por suspeita de receber propina da Alstom de quase R$ 70 milhões, em valores atuais, por ajudar a empresa em um contrato de subestações elétricas em 1998 – um primeiro esboço do que se repetiu posteriormente no chamado “trensalão tucano”, com bilionário cartel de trens e metrôs – o conselheiro afastado do TCE, apadrinhado de Mário Covas e um dos fundadores do PSDB, Robson Marinho tem seu caso recuperado no Panamá Papers.
Naquele ano, a compra das subestações da Alstom foi feita por duas estatais do governo paulista, a Eletropaulo (privatizada em 1998) e a EPTE (Empresa Paulista de Transmissão Elétrica). Um ano antes, Marinho completava sua assessoria no governo tucano de Mário Covas, chefiando a Casa Civil, de 1995 até 1997, deixando o cargo para se tornar conselheiro do Tribunal, sob indicação do próprio então governador.
Vinte anos antes, o conselheiro também foi deputado estadual pelo MDB, de 1975 a 1983, antes de seguir para o partido de Covas, posteriormente, como deputado federal pelo PSDB, entre 1987 e 1991.
Os indícios foram levantados quando o Ministério Público Suíço, investigando o recebimento do banco Tempus de recursos de traficantes de drogas, encontrou provas de que o mesmo banco lavava dinheiro para a Alstom pagar propinas. Entre os arquivos, as iniciais RM apareceram em documentos da multinacional francesa. Em um dos trechos, RM – que os investigadores entenderam como uma referência a Robson Marinho – é apontado como “ex secretaire du governeur” (ex-secretário do governador). Nos arquivos, também havia anotação de que o dinheiro foi usado para fazer pagamentos a “le tribunal de comptes” (tribunal de contas).
Logo no início das apurações, em 2008, quando o MP Suíço bloqueou a conta de Marinho naqueles país – pela qual passaram 3 milhões de dólares -, o ex-conselheiro foi questionado e, em resposta, gargalhou. “Estou sendo incriminado por um bilhete anônimo que diz que RM arrecadou R$ 7 milhões para distribuir para políticos que garantiriam contratos para a Alstom. Essas iniciais são as minhas, mas não assumo que seja eu no documento. Quem acusa tem de provar”, disse. Marinho disse que a suspeita só poderia partir de quem não conhecia “o estilo Covas”: “Ele não deixava eu conversar com empresários. Só falava com prefeito, com deputado”.
Á época, contudo, a investigação sobre o envolvimento corrupto da Alstom em estatais controladas por governos tucanos não mirava, de início, o setor elétrico, mas o caso que ficou conhecido como trensalão: em entrevista, afirmou que repudiava a ideia de que beneficiou a Alstom e defendeu o fato de um contrato de três anos do Metrô paulista com a multinacional francesa passar para dez anos a mais. “Durou tudo isso porque a tecnologia mudou”, justificou.
Pela forma como as provas foram colhidas pelos investigadores suíços, a defesa do ex-conselheiro tentou anular, alegando-as ilícitas. O advogado argumentava que os arquivos foram considerados ilícitos pelo país, obtidos pelos agentes infiltrados, o que contaminaria os indícios aqui no Brasil.
Arquivos da Alstom na França, enviados também pelo Ministério Público daquele país, traziam dados de “remuneração para o poder político da situação” e que “[a suposta propina] é negociada via uma secretaria do governador (RM)”.
Desde agosto de 2014, Marinho foi afastado do Tribunal de Contas por ordem da Justiça. Ainda que com os bens congelados pela Suíça, a Justiça brasileira decidiu bloquear a quantia de R$ 282 milhões da Alstom e de Marinho, apenas em fevereiro de 2015. Entre os bens, estão duas casas no valor de R$ 14 milhões, o valor retido pela Suíça e uma ilha “no litoral norte de São Paulo”, publicou a Folha, no último ano, sem mais detalhes. As provas detonam que esses bens foram adquiridos com a propina da Alstom. O processo ainda está paralisado, com recurso do advogado do tucano, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) o indiciar por crime de corrupção passiva.
Mas um detalhe foi pouco explorado pelos meios de comunicação. A “ilha no litoral norte de São Paulo” de Robson Marinho é, na verdade no litoral sul do Rio de Janeiro, mais especificamente, em Paraty, região onde a família dos donos da Rede Globo também tem uma mansão.
O caso do ex-conselheiro voltou à tona porque, entre os recentes arquivos do escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, conhecida por criar offshores para lavagem de dinheiro, estão os que incriminam Robson Marinho.
Há, por exemplo, documentos que reforçam a ligação do ex-conselheiro com a offshore Higgns Finance, que teria sido usada por ele para receber a quantia de propina da Alstom. Não são poucos os materiais: 289 arquivos mencionando a offshore, e 152 e-mails envolvendo a empresa e Robson Marinho.
Sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas (BVI), a Higgins Finance foi criada em 1998. A empresa foi desabilitada em 2010 por falta de pagamento de taxas em dívidas. Depois de uma sequência de tratativas, Marinho conseguiu regularizar a offshore, em junho de 2012. Mas quando a Mossack descobriu os processos contra o ex-conselheiro, a panamenha renunciou à própria offshore e a Marinho.
Além dos indícios de que Marinho recebeu propinas da Alstom por meio da empresa e, como forma de dissimular o montante, investiu na compra de uma ilha em Paraty, há também provas de que a própria família dona da Rede Globo tem uma mansão no local em nome de offshore da mesma lavadora de dinheiro panamenha. E a ilha está bloqueada pela Justiça brasileira.
Os casos se cruzam e podem revelar, com o desdobramento dos dados da Panamá Papers, novos indícios contra o tucano Robson Marinho e contra os proprietários da TV Globo e, mais importante, até que ponto o uso de offshores da Mossack e os investimentos em Paraty são meras coincidências ou possuem nebulosas relações. Ainda, como essa suposta relação poderia trazer novas revelações sobre o caso de corrupção da Alstom durante os governos tucanos.
A distância aproximada entre a mansão da família de Roberto Marinho e a Ilha de Araçatiba, particular de Robson Marinho
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